03 Agosto 2023
Os jovens estão mudando a Igreja. Mas é todo o país que vive uma época de transformação, com o corolário de novas energias e livres de incógnitas que isso acarreta. O Cardeal José Tolentino de Mendonça vê na JMJ de Lisboa um ponto de chegada e ao mesmo tempo de partida para o seu Portugal.
A entrevista é de Riccardo Maccioni, publicada por Avvenire, 02-08-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Há dez anos – explica o cardeal, prefeito do Dicastério do Vaticano para a cultura e a educação – um dos sinais mais vitais e positivos da vida eclesial está ligado à renovação da pastoral juvenil, que provocou um verdadeiro "renascimento" da presença de garotos, com seu ardor, sua alegria e sua capacidade de olhar para o futuro. No mundo universitário, incluindo o civil, por exemplo, se formaram grupos de estudantes católicos que iniciaram processos de verdadeira evangelização.
Uma lufada de novidade.
Os bispos portugueses viram-se perante uma geração de jovens que carregam sonhos no coração, inquietações e o desejo de ser uma força da Igreja que se liga do presente ao futuro. Quando apresentou a candidatura para sedear a JMJ, o patriarca de Lisboa foi muito claro em dizer que sem esta geração jovem que está renovando as estruturas eclesiais não teria tido a coragem para enfrentar a organização de tal evento. Nesse sentido, a Jornada é um ponto de chegada.
E, ao mesmo tempo, de partida, parece-me entender.
Sim, é preciso recomeçar, porque está em curso uma mudança geracional com quase metade dos bispos mudados ou prestes a mudar. E isso traz consigo a necessidade de outras renovações. Penso no drama dos abusos e na consciência de ter de reconquistar credibilidade, mas também na capacidade de envolver os leigos e de reprogramar a Igreja do século XXI, que deve ter uma forte identidade mariana sendo ao mesmo tempo samaritana, de serviço, "hospital de campanha", presença que sabe dialogar e não tem medo de habitar a fronteira.
A renovação não diz respeito apenas à Igreja. Portugal já não deve mais ser pensado como o vilarejo “pacato”, rural, homogêneo, católico de quarenta anos atrás. Hoje é uma realidade cosmopolita, urbana e com uma forte mentalidade secular. Trata-se de um desafio para a Igreja, que deve reaprender a habitar a transformação como presença discreta e profética que sabe descobrir a sua relevância no serviço, na humildade, na fidelidade à Palavra de Jesus.
Esta é uma JMJ que dá particular atenção à presença africana. Também será uma oportunidade de olhar para trás, para o passado colonial?
É um problema em aberto, no sentido de que com o Brasil hoje chegamos a uma "narrativa", uma relação marcada pela fraternidade, enquanto com os países africanos a questão ainda deve ser abordada culturalmente. A JMJ poderá ser uma oportunidade para um encontro fraterno. Mas o Portugal ainda está longe de se pôr profundamente a dolorosa questão do que foi fazer e como se comportou na África.
Não se vislumbra nenhuma mudança nesse campo?
Há novas gerações de historiadores que insistem na necessidade de refletir sobre o colonialismo.
Por ocasião do Dia dos Avós e dos Idosos, em 23 de julho passado, o Papa relançou a necessidade de um pacto entre as gerações. Promete ser uma JMJ importante também nesse sentido.
É uma dimensão realmente “fulcral”. Quero dizer que hoje uma geração de jovens preparados academicamente, pronta para enfrentar o mundo do trabalho e um caminho existencial, disponível a se deslocar, está condenada à precariedade. Pessoas com 25 a 30 anos não conseguem ser autônomas economicamente e, portanto, pensar no seu futuro. E esses jovens muitas vezes têm como aliados justamente os avós que os ajudam, apoiam, transmitem coragem, dão o exemplo, colaboram na gestão familiar, por exemplo, quando há crianças pequenas. Os avós se tornaram figuras absolutamente indispensáveis na vida cotidiana das novas gerações.
Até aqui um pacto que nasce da necessidade. Mas existe também um aspecto mais positivo.
Uso a imagem da árvore que para viver plenamente precisa de raízes profundas e da coragem dos ramos que se estendem nas folhas, nas flores, nos frutos. O mesmo vale para a nossa humanidade, bem representada na metáfora da árvore onde se encontra a sucessão cronológica que percebemos em todos os momentos de nossas vidas. Nós também, como as árvores, sem a sabedoria das raízes não podemos continuar a viver.
Em uma entrevista o senhor disse que sua primeira "biblioteca" foi a avó.
Sim, porque ela que vinha de uma cultura popular, não de tradição escrita, mas oral, me encheu de cabeça, o coração, a inteligência com "sabor das histórias". Quando mergulhamos nisso, não apenas no silêncio da leitura, mas deixando-nos guiar pela doce voz de uma avó, aquelas histórias entram dentro de nós dentro e nunca mais saem, tornam-se uma espécie de mapa do tesouro que sempre carregamos conosco.
Seu último livro é dedicado à amizade. A JMJ será uma oportunidade de vivenciá-la em profundidade.
Na amizade só existe futuro. Quando nos abrimos à possibilidade concreta de fraternidade com quem não conhecemos, começa uma história de vida feita de ajuda mútua, de reciprocidade. Uma história que muda as condições do mundo, na qual se passa da indiferença ao acolhimento, da hostilidade à hospitalidade, dos muros de separação ao encontro, à celebração festiva sempre nova, iluminadora. Os jovens são mestres de amizade, sem os amigos não aceitariam participar da JMJ que os conecta entre si e à figura do Papa. Existe uma enorme amizade que une esta geração de garotos e garotas ao Santo Padre, visto como um amigo respeitado, capaz de dizer as palavras de que eles precisam para encarar os grandes desafios do futuro. Porque, como justamente lembra o Papa, a amizade não é feita de ideias, mas é vida compartilhada. Seguindo o exemplo de Jesus que nos disse: chamo-vos amigos.
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“Os jovens em Portugal estão mudando a Igreja”. Entrevista com José Tolentino Mendonça - Instituto Humanitas Unisinos - IHU